Hoje, 3 de Março, de 2007, tive a oportunidade de participar numa grandiosa jornada de luta contra o fascismo e seus saudosistas, em Sta Comba Dão. Contra a intenção da Câmara Municipal de Sta Comba Dão de construir um "museu" a Salazar, cuidadosa e sabiamente apelidado de "Centro de Estudos do Estado Novo".
Mas que centro de estudos se constrói numa casa com somente duas salas, sendo que uma se destina unicamente a objectos pessoais do fascista? Que centro de estudos se constrói quando toda a documentação pertinente está noutros locais, como a Torre do Tombo, e para lá não será transladada?
Não se constrói um centro de estudos, não se constrói um museu, constrói-se sim um santuário para a peregrinação de saudosos fascistas.
Algumas pessoas a quem falei desta iniciativa até me disseram que não compreendiam o porquê do protesto, entendendo que o museu até poderia servir para um melhor conhecimento do que foi a ditadura fascista em Portugal, que nomeadamente poderia servir para os mais jovens aprenderem, já que pouco sabem desse período.
Essas pessoas deviam ter hoje estado em Sta Comba Dão... Tal como os que acham que o fascismo é coisa que está morta e enterrada. Deviam ter lá estado, para ouvirem os vivas a Salazar, por entre saudações nazis... Não tendo essas pessoas lá estado, e tendo eu visto já as notícias na televisão que, ao contrário do que cheguei a esperar a meio da tarde, não conseguiram mostrar a dimensão do que se passou, apeteceu-me escrever isto, talvez percebam alguma coisa...
Se observarem com atenção, penso que qualquer um(a) poderá perceber que se tem vindo a dar uma cuidada limpeza histórica de branqueamento do fascismo e seus crimes. Se abrirem um manual escolar de história, não verão uma alusão à ditadura fascista, mas sim ao regime corporativo, ou quando muito autoritário... Se ligarem a televisão, até há quem considere Salazar o maior português de sempre, pela RTP apelidado "salvador ou ditador", há quem o defenda publicamente no canal do Estado.
E é neste branqueamento do fascismo que se insere a construção deste "museu", que só por acaso até é apoiado pela Frente Nacional. Que não será museu de coisa alguma relacionada com o regime e seus crimes, mas sim do indivíduo que esteve à sua frente, que nada teve de salvador nem sequer como suposto génio financeiro (se eu tivesse colónias para escravizar e pilhar também salvava as finanças de qualquer país)... Que será um local de perpetuação da memória de um criminoso, para que os seus saudosistas lá lhe dirijam as suas honrarias.
Seria, sem dúvida, útil um museu dedicado ao fascismo, aos seus crimes, à resistência... Mas esse, não sei bem porquê, ninguém parece interessado em erguer. Não estão interessados porque quem tem estado à frente deste país são os mesmos que têm potenciado a lavagem histórica do fascismo.
Uma vez mais, os que acham que o museu não tem problema nenhum, que até seria bom para educar o povo, que o fascismo está morto e não volta, repito que deveriam lá ter estado esta tarde.
Talvez aí percebessem porque não pode este museu ser construído, talvez percebessem que o fascismo está vivo e bem vivo, ainda que latente, à espera, talvez percebessem que hoje, como ontem e amanhã, é urgente lembrar o que foi realmente o regime e continuar a lutar. Talvez percebessem... ou talvez não percebessem nada.
Algumas coisas ficar-me-ão, sem dúvida, na memória. Ficará a ignorante estupidez duma populaça que, quais ovelhas, se deixa levar por uma vintena de fascistas, gritando vivas a Salazar entre saudações nazis enquanto cantavam o Hino Nacional, como se os anti-fascistas não fossem patriotas. Ficará também na minha memória os grupos de miúdos que nos insultavam, sem saber o que estavam a defender. Ficará o panfleto fascista que li, cujos autores fascistas não se coibiram de distribuir pela turba. Ficará a imagem dum puto negro que fazia a saudação nazi, pobre coitado desconhecendo que o regime que hoje defendeu, noutro tempo chicoteou e escravizou, quem sabe, os seus avós. Ficará a fotografia mental dos nazis e fascistas infiltrados na populaça e incentivando-a, tão identificáveis que é de pasmar que GNR e comunicação social afirmem que lá não estavam. Ficarão os insultos, os "comunistas", os "vermelhos", os "vão pra vossa terra", os "chulos", os "vão trabalhar", os "filhos da puta", os "vão pro alentejo", os "não valem nada". Ficarão as ameaças, os ovos lançados, as tentativas de agressão, os uivos ululantes de ovelhas teleguiadas por fascistas, os panfletos nazis, as provocações às quais ninguém, ao contrário do relatado pela SIC, respondeu, embora muita vontade houvesse.
Ficar-me-á na memória a tristeza de ver tanta gente que nada sabe, que é enganada e que gosta de o ser, que defende e apregoa o que não compreende, que se deixa manipular, como deixou durante todo o regime.
Ficar-me-á na memória o nojo, a raiva, a fúria, a impotência, a sensação indescritível de a escassos 20 metros ver na minha frente ser feita a saudação nazi por tanta "gente", de ouvir vivas a Salazar, sabendo que ali e naquele momento nada havia a fazer senão resistir à provocação.
Fica-me agora a triste incerteza de não saber se se conseguirá que amigos e amigas percebam a necessidade de lutar contra esta gente, contra o que defendem, contra a lavagem histórica do regime fascista em Portugal. A incerteza de não saber se perceberão, e menos ainda se se juntarão um dia a esta luta.
Mas fica-me também a certeza da necessidade de continuar a lutar. Com muitos camaradas, com todos os progressistas, com os democratas, informar, esclarecer, combater. Porque o nazi-fascismo está vivo e de boa saúde, ainda que escondido, é preciso trazer cada vez mais amigos e amigas para as fileiras dos que combatem pela liberdade, contra a besta fascista.
A certeza de que é uma luta que está para durar. Que virá o dia em que o fascismo se reerguerá em toda a sua fúria. E que, inequivocamente, muitos mil lhe darão combate, na batalha das batalhas, na guerra pela liberdade e igualdade.
Até que tombe o último democrata ou seja destruído o último fascista,
A LUTA CONTINUA