Não pode haver duvidas que alguns têm mais direitos que outros, tal como outros têm mais deveres que alguns; e de igual modo, precisamente porque não são iguais, não partilham os mesmos interesses.
Descreve-se os indivíduos como cidadãos iguais, mas pergunto se o patrão é igual áquele que para ele trabalha? Se o invasor é igual ao invadido? Se a prostituta é igual ao proxeneta? Se o toxicodependente é igual ao traficante? Se, na ordem internacional, os EUA são iguais a Cuba?
Na sociedade capitalista, a riqueza material é colectivamente produzida e individualmente apropriada. Ou seja, enquanto que tudo o que existe é produzido colectivamente, a riqueza assim gerada não é propriedade colectiva mas sim privada (individual).
Que cidadania existe então? Que cidadãos iguais são estes? Que interesses iguais podem ter, se no interesse fundamental, a subsistência económica, os seus interesses são opostos? E são-no sem dúvida, porque o interesse de um é libertar-se da exploração, o do outro mantê-la e agravá-la.
Então e as ONG's? Por exemplo a defesa do ambiente, considerando-se que tal é um interesse de todos. Possivelmente será, mas a sua degradação será igualmente responsabilidade de todos? Não é, porque quem trabalha pouco polui, no entanto aquele que rouba a riqueza que outros produziram, o dono da fábrica, é realmente o responsável pela poluição industrial. O que destrói o ambiente tem os bolsos cheios, o que não o destrói tem-nos vazios... Se não têm igual responsabilidade, são iguais? Não, não são.
Então e os direitos humanos? Os que fazem a guerra, e com ela lucram, são iguais aos que com ela perdem tudo? Os que morrem à fome, são iguais aos que enchem os bolsos com a indústria agro-alimentar? Os que morrem de doenças, são iguais aos donos das indústrias farmacêuticas, a quem interessa mais o lucro dos medicamentos que acabar com as doenças? Não, não são.
Mas é precisamente na lógica da igualdade entre todos que operam as ONG's. Todos são iguais e igualmente responsáveis por todos, logo todos devem contribuir para o bem-estar de todos.
Mentira, porque qualquer que seja o problema que pensemos, uns são mais responsáveis que outros, e outros são mais afectados que uns. De facto, uns sofrem de problemas que são por outros causados. E, por meio das ONG's, procura-se que os que sofrem menos tratem dos que sofrem mais, para que os que nada sofrem e causam o sofrimento continuem intocáveis na sua opulência...
Portanto, conclui-se que as ONG's agem na lógica da cidadania, ou seja, na lógica da igualdade entre todos. Mas vê-se bem que não são todos iguais portanto, uma vez mais, as ONG's não podem alterar a realidade deste sistema.
É uma realidade que só pode ser transformada com a transformação do sistema, derrubando o actual e construindo um novo, sem exploradores nem explorados, em que aí sim todos serão realmente iguais. Então todos terão realmente interesses iguais, e só então as organizações poderão ter uma prática realmente consciente e efectiva. Até lá, deixe-se de parte o assistencialismo, que nada muda, e lute-se para fazer desmoronar este sistema.
Mora, Victor (1979), Os Plátanos de Barcelona. Lisboa: Editorial Caminho