Sexta-feira, 21 de Dezembro de 2007
Porcos, burros e outros burocratas
Portugal, por vezes, assiste a "acontecimentos", que me deixam na dúvida entre classificá-los como trágicos ou cómicos.Lá para os lados de Álcacer do Sal, mais concretamente no Torrão (por acaso, mas só por acaso, onde irei para a passagem de ano: juro que não tenho nada a ver com o caso), um digníssimo suinicultor decidiu que a sua criação, sublinhe-se que ilegal, já não lhe serviria para nada, portanto virou costas, seguiu estrada fora rumo ao pôr do sol, e abandonou os animais, presos, para morrerem pela fome e pela sede.
Posto isto, um cidadão inconsciente decide intrometer-se no que não lhe diz respeito e denuncia a normalíssima situação. As autoridades vieram a encontrar cerca de cinco dezenas de suínos já mortos pela fome, e outros tantos a caminho de tal destino, que receberam nesse sentido uma ajudinha, tendo sido abatidos.
O cenário encontrado terá sido de tal forma dantesco, que o Laboratório de Defesa Biológica do Exército foi chamado para levar a cabo todos os procedimentos necessários, de forma a proteger a Nação desde verdadeiro ataque terrorista com armas biológicas. Por outro lado, talvez tenha sido apenas para (finalmente) justificar a criação do dito Laboratório.
O que é mesmo tragicómico é que as mesmas autoridades já tinham conhecimento da situação há nada mais nada menos que sete anos. Mas, claro está, nada podiam fazer. Repare-se:
"Cabe Á DGV legalizar as explorações. Mas este caso, nunca tendo sido legalizado, "não tinha de fechar", disse Lopes Jorge [responsável da Direcção Geral de Veterinária]. A mesma resposta foi avançada pela veterinária municipal Antonieta Santos, quando questionada sobre o porquê do tardio encerramento da exploração: "Nunca foi mandada fechar porque, oficialmente, nunca abriu.""
Fascinante. Mas o que eu não percebo, e agradeço imenso que me expliquem, é: se a exploração nunca existiu oficialmente, porque nunca abriu oficialmente, então nunca existiram oficialmente porcos, portanto nunca existiu oficialmente risco para a saúde pública, logo não havia necessidade de lá ir oficialmente Laboratório e demais autoridades, abater porcos que, oficialmente, nem sequer existiam. Intrigante...
Na verdade, dá nojo o produtor, que provavelmente nunca será acusado pelos seus actos, e dá também nojo a autoridade, que sempre soube da situação e nada fez, e mais nojo ainda a justificação inimaginável que encontraram.
Pior é pensar que tudo isto se integra na estrutura que (des)governa as nossas vidas.
Adenda: Aparentemente, ao que ouvi dizer, a veterinária municipal citada já havia denunciado a situação à DGV, sendo a citação a resposta que recebeu, sendo que nada terá feito por para tal não ter autoridade.