Fica-se hoje a saber, se alguém porventura (se é que é possível) ainda não sabia, que não haverá qualquer consulta popular (leia-se, referendo) à Constituição Federal Europeia.
Sim, isso, Constituição Federal Europeia, pois é isso mesmo que é. Bem pode o nosso excelentíssimo primeiro afirmar que não quebra promessa eleitoral alguma, que "tinha um compromisso com o Tratado Constitucional. Agora é o Tratado de Lisboa, que não existia na altura. Não tem nada a ver uma coisa com a outra".
Desculpas esfarrapadas, quando vemos a Chanceler Alemã Angela Merkel afirmar "The substance of the Constitution is preserved. That is a fact", a 27 de Junho de 2007 no Parlamento Europeu, ou Giuliano Amato, ex-primeiro ministro italiano e segundo responsável pelo anterior texto, dizendo "The good thing about not calling it a Constitution is that no one can ask for a referendum on it" na London School of Economics a 20 de Fevereiro de 2007, ou ainda Giscard d'Estaing, ex-presidente francês e primeiro responsável pelo anterior texto, clamar "In terms of content, the proposals remain largely unchanged, they are simply presented in a different way (...) The reason is that the new text could not look too much like the constitutional treaty (...) cosmetic changes to the Constitution to make it easier to swallow", no Parlamento Europeu a 17 de Julho de 2007. De resto, o próprio Sócrates, "questionado em 25 de Julho de 2007, na SIC, sobre se um e outro texto não são, afinal, muito "parecidos", Sócrates disse que sim. "É a minha opinião", referiu."
A Constituição é a mesma, o federalismo é o mesmo, a militarização da Europa é a mesma. Só o nome se alterou, para um "bonito" Tratado de Lisboa.
Portugal, bem como os demais países pequenos, perdem. Reduz-se a representatividade no Parlamento Europeu, em detrimento do aumento por exemplo da Alemanhã. Acaba a rotatividade das presidências, acaba a obrigatoriedade de um membro de cada país na Comissão Europeia. O controlo dos mares passa para a União Europeia. É uma vez mais impulsionada a criação das forças armadas europeias. Por aí fora. Bem se vê, tudo propostas muito democráticas.
De resto, quanto a perda de soberania (a que ainda resta), estes dois dias foram já bastante ilucidativos. Há dois dias, foi o primeiro-ministro esloveno a dar recados a Portugal, afirmando "Penso que não seria sensato realizar um referendo" em Portugal, disse Janez Jansa, em declarações à agência Lusa, na capital da Eslovénia".
Mas como se não chegasse (claro está, chegava), não só o querido Cavaco mete também o bedelho, como assumidamente o faz enquanto moço de recados de Alemanhas, Inglaterras e outros que tais, nada interessadas em eventuais referendos para além do Irlandês, esse país de idiotas que ainda não alteraram a sua constituição nacional para deixarem de referendar questões europeias.
Claro está que ninguém está interessado em referendos. Aliás, é por decerto sintomático tanto receio de referendo. Em Portugal, a ter existido, eu cá até suspeito que teria sido aprovado, mas nalguns países mais ciosos da sua soberania, como anteriormente o fizeram a França e a Holanda, e agora se previa que o repetisse a Inglaterra, provavelmente seria reprovado.
Não pelas suas propostas miseráveis para a maioria dos países europeus, não! É porque as pessoas são estupidamente ignorantes, e não perceberiam a maravilha que é aquele texto. E como as massas ignaras não sabem ler politicamente, cabe a iluminados deputados tratarem do assunto: resta saber se o texto não é como é também por esse motivo.
Mas como tão bem nos lembra António Vitorino, não é só por causa dos ignorantes, é que referendar daria uma arma a quem é contra a construção europeia. Serão países? Imagino que não, a Constituição é tão boa que todos gostam dela. Deve ser, portanto, a Al-Qaeda.
Assim como assim, não é certamente pela quebra da promessa eleitoral que o povo se deve indignar. Já tinha mais era que estar habituado, já que o Governo só tem feito o que não disse que faria, e nada faz do que garantiu fazer. Compreende-se mal, portanto, a indignação do BE, que se limita a assinalar o não cumprimento da promessa eleitoral, ainda para mais indo apresentar uma moção de censura na Assembleia da República, que terá tanto de inútil como de inconsequente, mas sempre garante o necessário mediatismo, tão imprescindível ao mutante político português.
De resto, as posições da "esquerda de confiança" (olhe que não, olhe que não) quanto à União Europeia e sua constituição são conhecidas: nada contra, um bom projecto, mas enfim lá podia ser mais democrático, como dito sobejamente, se a Constituição Europeia viesse de uma assembleia constituinte seria aceitável. Nada contra a refeição, somente contra o arranjo floral.
Contrastam bem, sem dúvida, com as posições claras de quem, exigia o referendo, não por haver sido promessa de quem nunca as cumpriu, não por não gostar do método de redacção do texto, mas de quem sempre afirmou claramente ser de todo contra este modelo de Europa, neo-liberal, federalista, imperialista e, portanto, necessariamente militarista.
Só para terminar, e induzindo a analogia, se isto fosse na Venezuela, era uma ditadura horrorosa. Lá, ao menos, o povo é consultado e a derrota assumida democraticamente. Aqui, para não se correr o risco de ter de não assumir uma derrota, impõe-se e pronto.
Viva a democracia. Viva a Europa. O Rei vai nú.