Quinta-feira, 28 de Dezembro de 2006
O Novelo de Lã: um conto de natal

Era uma vez... um novelo de lã. E este novelo até poderia ser bem bonito, se não fosse por um triste facto: os lindos fios que o compunham estavam todos enrodilhados, numa grande confusão, de tal modo que pouco se percebia de que era afinal feito aquele novelo.

Pior, cada vez que o próprio novelo se tentava desenrodilhar, ou não o conseguia de todo ou, quando alcançava algum sucesso, acabava sempre por se enrodilhar de uma nova forma.

E sempre que alguma alma, ainda que bondosa, tentava desentrançar os fios do novelo de lã, também não obtinha melhores resultados. Isto porque cada uma dessas boas almas tinha a sua própria visão do que devia ser o pequeno novelo, e soltavam os fios e voltavam a enrolá-los da forma que achavam melhor. Assim, por um lado havia quem soltasse os fios, mas depois enrolasse o pobre novelo da forma que achava mais bonita; por outro lado, havia também quem, após desenrodilhar os fios, os enrolasse novamente da forma que pensava ser melhor para o novelo.

No entanto, o pequeno novelo de lã acabava sempre de novo enrodilhado, e ninguém percebia porquê... A verdade é quando alguém tentava ajudar o pobre novelo, acabava sempre por em dada medida impôr a sua própria imagem do que aquele deveria ser. Uns enrolavam-no de novo como gostavam, outros como achavam que seria melhor para o novelo... E ninguém se lembrava de ajudar o novelo, simplesmente desenrodilhando-o, deixando ao seu próprio critério como se haveria de enrolar novamente!

Felizmente, um dia apareceram os Cavaleiros da Mesa Octogonal, cavalgando belas princesas com grandes peitos, e viram o que ainda ninguém tinha percebido! Assim, ajudaram o pequeno novelo de lã, apenas desembaraçando os seus fios. E deixaram-no a enrolar-se novamente da forma que mais lhe agradava...

Depois, os cavaleiros voltaram a montar as princesas tortulhudas e partiram em busca de outros pequenos novelos que da sua ajuda necessitassem. E o nosso novelo de lã, embora se tenha enrodilhado mais algumas vezes, aprendeu a desembaraçar-se; e assim viveu feliz para sempre...
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Bom, toda a história tem uma moral. Este pequeno "conto" resulta de uma conversa tida há alguns dias (noites) num bar cá da terra, por volta das 5h da matina, conversa essa com um amigo e o jovem do bar. Discutia-se o que é um amigo(a). Mas isto para além do que já se sabe, que é alguém que lá esté nos bons e maus momentos, que nos conhece bem e em que podemos confiar para expor os nossos problemas, e todos os demais blá blá blás... Até aqui era consensual; a discussão foi então como deve a amizade ser exercida.

É amigo aquele que passa a mão no pêlo e diz que tudo vai ficar bem, deixa lá isso e coisa e tal, isso passa e melhores dias virão, e outras tantas lenga-lengas, enfim tentando levar-nos ao que considera melhor para nós? Ou é amigo aquele que convictamente afirma que o que é preciso é fazer isto ou aquilo, para resolver a coisa há que fazer não sei o quê, portanto afirmando-nos as suas próprias ideias?

A resposta é... nenhum dos dois! Amigo é quem ajuda o indivíduo a compreender-se, para que por si só escolha o que para si é melhor; sem impingir o seu próprio caminho, tampouco sem o levar a seguir caminhos que não são o seu.

E donde vem o "conto". Foi o exemplo que dei. Quando temos a cabeça numa confusão, podemos imaginá-la como um novelo todo enrodilhado... Para resolver os problemas, há que desenrolar os vários fios, para que se possa perceber a lógica do novelo, e voltar a enrolá-lo como deve ser.

Ora, um amigo deve portanto ajudar a separar os vários fios e... mais nada. Para que, sem interferências, a pessoa decida por si só, como há-de enrolar tudo novamente. Ou seja, o amigo deve ajudar a pessoa a perceber-se quando está confusa, mas sem interferir na forma como o fará, deixando-a escolher o seu próprio caminho sem apontar nenhuma direcção. O amigo é, portanto, o Cavaleiro do "conto".

Por outro lado, não negligencio com isto as almas bondosas que tentaram ajudar o novelo de lã, cada uma à sua maneira. Também são, sem dúvida, amigos. Mas ao invés de deixar o novelo voltar a enrolar-se à sua maneira, afirmam como o deve fazer, enrolando-o de acordo com a sua própria visão, ou segundo o que consideram ser melhor para o novelo.

No entanto, não compreendem que embora ajudem a pessoa a perceber-se, ora indicam a sua própria forma de ver as coisas, ora indicam o que pensam ser melhor para o indivíduo em causa. Assim, embora sejam de facto amigos, e como tal devam ser afectuosamente considerados, não fazem de facto o melhor, pois não dão à pessoa espaço para crescer e decidir por si própria.

E a partir desta discussão, decidi escrever este texto sobre a amizade. Mas como o meu ponto de vista foi ilustrado com uma metáfora, apeteceu-me desenvolver a coisa e deu neste belo conto (ou não...).

foto: www.wovengems.com/.../colonial_wool_top.htm



Essencialmente, para o que me for apetecendo. Ideias sobre a sociedade, coisas da sociologia, análise de questões políticas... Comentários à actualidade, assuntos pessoais relativizados e quando me apetecer, também dá para chatear alguém.
Sociólogo, 28 anos, residente em Coimbra. Bolseiro de investigação na área do insucesso e abandono escolares no Ensino Superior. Mestrando em "Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismo".
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