Quinta-feira, 18 de Janeiro de 2007
Ainda sobre as ONG's: a farsa da cidadania (II)


 

Relativamente ao post anterior, gostaria ainda de deixar aqui mais algumas considerações, que não foram antes incluidas para que o outro post não fosse (ainda) maior...

Bom, o que procurarei aqui fazer é demonstrar a ligação entre as ONG, a sua teoria e prática, com a corrente da cidadania.

E o que é isto de cidadania? Hoje é um termo usado para tudo e mais alguma coisa (tal como a sociedade civil), por muito boa gente que provavelmente nem sabe muito bem do que fala...

Para mim, descrevo a cidadania como o cavalo de batalha dos que procuram o desmoronamento ideológico das massas populares. E é de tal forma eficiente, que de facto muitos abraçam esta ideia sem perceberem o quanto é na verdade prejudicial aos seus interesses individuais e colectivos.

Descrita de forma simples, a cidadania é o ideal segundo o qual todos os indivíduos são cidadãos com iguais direitos e deveres, portanto que todos os indivíduos são iguais, de igual modo todos partilhando um conjunto de interesses colectivos.


Grande e pérfida mentira! Os indivíduos não são iguais na sociedade, não têm iguais direitos e deveres, muito menos partilham interesses comuns a todos.
 

Não pode haver duvidas que alguns têm mais direitos que outros, tal como outros têm mais deveres que alguns; e de igual modo, precisamente porque não são iguais, não partilham os mesmos interesses.

Descreve-se os indivíduos como cidadãos iguais, mas pergunto se o patrão é igual áquele que para ele trabalha? Se o invasor é igual ao invadido? Se a prostituta é igual ao proxeneta? Se o toxicodependente é igual ao traficante? Se, na ordem internacional, os EUA são iguais a Cuba?

Mas o fundamental é mesmo se quem trabalha é igual ao seu patrão. Não, não é. Porque um mata-se a trabalhar, quantas vezes por uma miséria, enquanto outro vive precisamente às custas do que trabalha. Um gera riqueza, da qual não usufrui, enquanto outro a rapina para seu exclusivo proveito. Aqui reside a contradição fundamental do actual sistema, que ainda não tinha referido:
 

Na sociedade capitalista, a riqueza material é colectivamente produzida e individualmente apropriada. Ou seja, enquanto que tudo o que existe é produzido colectivamente, a riqueza assim gerada não é propriedade colectiva mas sim privada (individual).

Então e aquele que, juntamente com muitos outros, produz a riqueza, é igual ao que individualmente se apropria do valor que outros geraram? A resposta é clara: Não são iguais!
 

Porque um vive a trabalhar, criando uma riqueza de que nunca vai usufruir; enquanto o outro não trabalha e vive duma riqueza que roubou a quem a criou. Porque um vive na miséria com um salário que é a centesima parte da riqueza que produziu, enquanto outro vive na opulência com a riqueza que rouba áqueles que para ele trabalham. Não são iguais, nem nunca serão neste sistema. Que, portanto, deve ser derrubado.
 

Que cidadania existe então? Que cidadãos iguais são estes? Que interesses iguais podem ter, se no interesse fundamental, a subsistência económica, os seus interesses são opostos? E são-no sem dúvida, porque o interesse de um é libertar-se da exploração, o do outro mantê-la e agravá-la.

Então e as ONG's? Por exemplo a defesa do ambiente, considerando-se que tal é um interesse de todos. Possivelmente será, mas a sua degradação será igualmente responsabilidade de todos? Não é, porque quem trabalha pouco polui, no entanto aquele que rouba a riqueza que outros produziram, o dono da fábrica, é realmente o responsável pela poluição industrial. O que destrói o ambiente tem os bolsos cheios, o que não o destrói tem-nos vazios... Se não têm igual responsabilidade, são iguais? Não, não são.

Então e os direitos humanos? Os que fazem a guerra, e com ela lucram, são iguais aos que com ela perdem tudo? Os que morrem à fome, são iguais aos que enchem os bolsos com a indústria agro-alimentar? Os que morrem de doenças, são iguais aos donos das indústrias farmacêuticas, a quem interessa mais o lucro dos medicamentos que acabar com as doenças? Não, não são.

Mas é precisamente na lógica da igualdade entre todos que operam as ONG's. Todos são iguais e igualmente responsáveis por todos, logo todos devem contribuir para o bem-estar de todos.

Mentira, porque qualquer que seja o problema que pensemos, uns são mais responsáveis que outros, e outros são mais afectados que uns. De facto, uns sofrem de problemas que são por outros causados. E, por meio das ONG's, procura-se que os que sofrem menos tratem dos que sofrem mais, para que os que nada sofrem e causam o sofrimento continuem intocáveis na sua opulência...

Portanto, conclui-se que as ONG's agem na lógica da cidadania, ou seja, na lógica da igualdade entre todos. Mas vê-se bem que não são todos iguais portanto, uma vez mais, as ONG's não podem alterar a realidade deste sistema.

É uma realidade que só pode ser transformada com a transformação do sistema, derrubando o actual e construindo um novo, sem exploradores nem explorados, em que aí sim todos serão realmente iguais. Então todos terão realmente interesses iguais, e só então as organizações poderão ter uma prática realmente consciente e efectiva. Até lá, deixe-se de parte o assistencialismo, que nada muda, e lute-se para fazer desmoronar este sistema.
 
 
"É um mundo de chalados, pequena, um mundo de chalados... E neste mundo só as vitimas merecem respeito, e, acima de tudo, sabes?, as pessoas que lutam para o fazer ir abaixo e construir outro: esta é a única verdade. (...) tu própria hás-de ver que o que te digo agora é a verdade pura."
Mora, Victor (1979), Os Plátanos de Barcelona. Lisboa: Editorial Caminho

 

foto: http://www.laplana.indymedia.org



Publicado por Alfredo às 21:25
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Segunda-feira, 8 de Janeiro de 2007
Das ONGD's à Luta de Massas: Da areia para os olhos à transformação social (I)
 
Já andava há algum tempo para escrever este texto, mas não tenho tido grande paciência... Como agora não tenho grande coisa para fazer, embora devesse ter, aproveito a actual inacção contemplativa, para pôr algumas ideias no "papel".

Basicamente, resulta de algumas conversas tidas, sobre a importância das ONGD's (Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento), que são muito importantes, nomeadamente do outro lado do espelho, no país das maravilhas... E serve também para tecer algumas considerações acerca dos chamados "direitos humanos", o que quer que isso seja...

Tal como o título indica, pretende-se aqui fazer uma comparação entre o papel das ONGD's e da luta de massas, com a argumentação base de que as primeiras apenas atenuam os efeitos das contradições do sistema, sendo que a segunda será a única forma de efectivamente resolver os problemas da sociedade. E aborda-se também a temática dos pretensos direitos humanos, dado que estes parecem, por algum motivo que desconheço (a não ser que seja puro devaneio delirante), ser campo priveligiado das ditas organizações.

Naturalmente, não será uma análise exaustiva deste tema, mesmo porque de teses já me chegou a última... Mas procurarei deixar aqui um conjunto de aspectos para a reflexão que desejarem.

Defender os direitos humanos, como a Amnistia Internacional, ou relativamente a eles formar os indivíduos, como a Humana Global; dar papinha aos famélicos, como o Banco Alimentar; animar as criancinhas com cancro, como a Acreditar; ajudar os coitadinhos com SIDA, como a Abraço; e agora até a MegaFM quer enviar uma ambulância para Moçambique, porque lá os pretinhos levam hora e meia a chegar ao hospital: que cá o PS tenha fechado maternidades e agora se leve duas horas a lá chegar, isso já não interessa para nada, há é que falar nas misérias dos outros para que não se reflicta sobre o que por cá se passa...

Destes poucos, mas elucidativos, exemplos, podemos de imediato concluir que quaisquer destas organizações se limitam a atenuar males, nada fazendo para de facto os resolver em definitivo. Poder-se-ia discutir se o conseguiriam fazer, caso o desejassem, mas tal não pode sequer ser equacionado, uma vez que estas organizações não estão interessadas nisso. Sobre isso se falará ainda adiante, mas por agora diga-se desde já que se os problemas fossem efectivamente resolvidos, estas organizações fatalmente deixariam de existir pois já não seriam necessárias, e lá se ia o belo do protagonismo...

Bom, estas organizações procuram portanto resolver um conjunto de problemas da sociedade, cada uma escolhendo um ou alguns problemas relativamente aos quais pretende agir. Sobre a sua selectividade, sobretudo no que respeita aos hipotéticos direitos humanos, adiante se falará. No entanto, não negligenciando a boa-vontade dos seus membros, que respeito (embora o mesmo não se aplique às suas chefias), falham em perceber dois pontos fundamentais: Primeiro, não compreendem que os problemas que procuram "resolver" (entre aspas, porque como visto não resolvem puto, somente atenuam os efeitos), são intrínsecos ao sistema, e como tal não podem de todo ser resolvidos no quadro interno do sistema. Tudo o que é possível, agindo internamente ao sistema social, é precisamente atenuar os efeitos das suas inultrapassáveis contradições; portanto a única forma de efectivamente resolver os problemas é agindo sobre a sua fonte, o próprio sistema, transformando-o na sua totalidade.

Se alguém achar que porventura será utópico transformar todo o sistema social, digo somente que utópico é sim acreditar que se pode mudar a parte sem alterar o todo.

Segundo, tal como não compreendem que os problemas sobre os quais procuram agir são inatos ao sistema, tampouco percebem que são em grande medida interligados, não podendo ser resolvidos separadamente. E são interligados, precisamente porque resultam das contradições inultrapassáveis do sistema social, pelo que estes dois pontos são o corolário um do outro. Portanto, estas organizações falham redondamente em, por um lado, perceber que os problemas que procuram resolver (ou não...) não o podem ser no enquadramento interno desta sociedade, por outro que de pouco ou nada serve agir isoladamente sobre alguns e deixar de parte os restantes, já que se influenciam mutuamente.

Feita a explanação teórica, tomemos alguns exemplos que ilustrem a questão.

Por exemplo, a questão da fome, geralmente enquadrada no apoio a países terceiros. Procuram determinadas organizações recolher alimentos para enviar para países onde há fome; não percebem no entanto que por muitos que sejam os alimentos que enviam, nunca resolverão o problema. Antes de mais, falham em compreender que o assistencialismo não gera mudança, somente conformismo.

Mas o essencial é que não percebem a raiz do problema da fome, que não se prende com a incapacidade de determinados paízes em produzir, mas sim com a divisão internacional da produção e com a desigual redistribuição da riqueza (neste caso os alimentos) produzidos. Não há falta de comida, a que há está é mal distribuída; produz-se actualmente no mundo o dobro dos alimentos necessários à totalidade da sua população, mas esta produção não é distribuída, fruto da lógica capitalista das relações internacionais entre os países imperiais e as suas (neo)colónias. Não interessa aos países dominantes acabar com a fome, pois seria um passo para acabar com a dependência das suas colónias, além de que a pretensa escassez de alimento leva a que os seus preços se mantenham mais elevados do que seriam caso não houvesse fome.

Assim, estas organizações não compreendem que a sua boa-vontade (será...) nunca acabará com a fome, pois esta é hoje essencial nas relações entre os países centrais e periféricos. Desta forma, o envio de alimentos serve somente para atenuar um problema, mas nunca o resolverá já que este radica na própria organização da sociedade no plano internacional, só podendo ser finalmente resolvido com a total transformação das relações entre países, portanto exigindo o fim do imperialismo. Entretanto, para gáudio dos imperadores deste mundo, uns quantos papalvos bem intencionados (alguns...) vão atirando areia para os olhos das massas...

Observemos agora um exemplo alargado, relativo às várias organizações que crescentemente assumem as funções sociais das quais o Estado se vem demitindo, seja no apoio aos toxicodependentes, a crianças sem-abrigo, aos idosos ou outra coisa qualquer. Estas organizações parecem não compreender (ou não...) que o seu trabalho nunca trará resultados definitivos, porque neste sistema sempre existirão fracos, pobres e excluídos, e o assistencialismo só poderá, quando muito, atenuar os efeitos dessa pobreza ou exclusão.

Mas não acabarão com ela, e muito menos reverterão o abandono por parte do Estado das suas importantes obrigações sociais... de resto, isto não se vê sequer tentarem fazer, talvez porque se o Estado assumisse as suas obrigações estas organizações deixariam de ter uma razão para existir, o que naturalmente não agradaria nada às suas chefias...

Temos então aqui um outro aspecto fundamental da acção destas organizações: além de não poderem, como visto, efectivamente resolver os problemas sobre os quais agem, mas somente atenuar os seus efeitos, a verdade é que a sua acção de facto agrava os problemas. Isto porque uma vez que vão atenuando os seus efeitos, acabam por esconder a sua origem, sobre a qual não agem, permitindo portanto que as causas efectivas dos problemas na realidade se aprofundem.

Por exemplo, as organizações que vêm ocupando o espaço que o Estado vai vagando, relativamente a determinadas prestações sociais, ao fazê-lo acabam por permitir ao Estado libertar-se ainda mais das suas funções. A única forma de efectivamente resolver esses problemas será obrigar o Estado a assumir as suas obrigações, coisa que estas organizações não fazem de todo. E não o fazendo nunca resolverão de facto nada, permitindo pelo contrário as causas reais dos problemas se aprofundem, à medida que o Estado vai entregando cada vez maior fatia de importantes sectores à burguesia e ao clero.
Isto porque, se observarmos atentamente, o facto é que por um lado vai-se dando a privatização destes sectores, por outro o que não é privatizado é entregue a associações ou organizações que poucas vezes são independentes da igreja, nomeadamente através das mesericórdias.

Podia ainda explicar de que forma esta análise se aplica igualmente às organizações que actuam em outras áreas, mas parece-me que a explanação teórica e os anteriores exemplos permitem que cada um(a) lá chegue por si mesmo(a). Uma vez mais, a questão fundamental é que as ONGD's não actuam sobre as causas efectivas dos problemas, portanto apenas podem colmatar os seus efeitos.

Assim, o essencial é que os tais problemas da sociedade não podem ser resolvidos no quadro interno do sistema, portanto não podem ser resolvidos pelas ONGD's, uma vez que estas não procuram transformar de alto a baixo o sistema social.

E não o procuram, nomeadamente porque perderiam alguns ou todos os benefícios de que usufruem nesta sociedade, por exemplo no caso da igreja, cujo imenso poder iria por água a baixo noutro novo sistema social. Além disso, estas organizações mais cedo ou mais tarde serão progressivamente incapazes de assegurar as funções que procuram assumir, pelo que serão progressivamente tomadas pelos privados, ainda menos interessados na transformação social.

Desta forma, o único meio de resolver os problemas da sociedade de uma forma efectiva é transformando o sistema no seu todo, e se como visto as ONGD's não o podem fazer, é então consequência que somente a luta das massas populares o possa. Isto porque somente o povo tem efectivamente interesses colectivos, independentes de quaisquer organizações assistencialistas ou não, sendo portanto que somente o povo em luta o único agente capaz de transformar o sistema na sua totalidade.

Não houve, há, ou haverá, quaisquer ONGD's, igrejas ou patrões que o possam fazer em seu lugar, porque estes têm inevitavelmente interesses a defender que não os das massas. Portanto, decorre disto que somente o povo, ao tomar as rédeas do sistema, o pode efectivamente transformar em defesa dos seus interesses. De resto, é facto historicamente comprovado (também poderíamos discutir isto...) que nunca ninguém libertou o povo, senão o próprio povo, porque é o único capaz de inequivocamente defender os seus direitos e interesses.

Estando clarificados os papéis distintos das ONGD's e das massas populares, no que respeita à transformação da sociedade, falta agora para terminar deixar aqui algumas considerações no que concerne aos chamados direitos humanos. E aqui importa distinguir o conceito em si mesmo, do que é a acção dos que os pretendem supostamente defender.

Em relação ao conceito de direitos humanos, a questão é perceber se existem de facto, quais são, e se são absolutos (universais) ou relativos. Na minha opinião, que penso diferir da das ONGD's que se dedicam ao tema, os direitos humanos existem, mas são relativos e respeitam essencialmente a direitos colectivos. Considero direitos humanos, por exemplo, a saúde, a educação, o trabalho, a habitação, a segurança social... No entanto, e este é um aspecto fundamental, não incluo nos direitos humanos o direito à propriedade privada, embora este esteja contemplado na Carta da ONU. E não o tenho porque entendo que é precisamente a existência da propriedade privada que está na origem da muitas vezes ausência dos outros direitos.

Por outro lado, entendo que os direitos humanos são relativos, não podendo ser de igual modo aplicados ou interpretados em qualquer tempo e/ou espaço. E explico isto, logo à partida, com o que será supostamente o mais essencial direito, o direito à vida. Não tenho problemas nenhuns em afirmar que muitos há que não têm, ou não deveriam ter, direito à vida. Porquê? Porque o seu direito à vida equivale ao não direito à vida de muitos outros, e ao não direito à vida condigna de mais ainda. Para mim, desculpem lá se ofendo algumas consciências cristãs, a vida não vale nada por si só, mas somente por relação com o contexto em que se insere ou, por outras palavras, por relação com o papel que desempenham na vida social. Portanto, há vidas que valem muito e vidas que não valem nada... Em consequência, o direito à vida será portanto relativo, tal como os demais.

Concluindo este primeiro ponto, parece-me que o conceito de direitos humanos, conforme entendido pela generalidade das ONGD's, é abusivamente simplista, uma vez que são entendidos como algo absoluto, que para mim não são, além de preterirem a colectividade em favor da individualidade, dando maior importância ao indivíduo que ao colectivo, portanto contribuindo para assentuar uma das mais negativas características desta sociedade, o individualismo, que a par com a propriedade privada (logo individual) constituem o cerne das contradições da sociedade actual, capitalista.

No que respeita à acção das ONGD's, no que respeita aos direitos humanos, se a analisarmos de forma objectiva, de imediato se conclui que são extremamente selectivas, por um lado nos direitos que defendem (o que portanto remete para o anterior ponto, relativo ao conceito), por outros nos "alvos" que acusam.

Relativamente à sua selectividade nos direitos que (pretensamente) defendem, nunca vi ou ouvi nenhuma ONGD protestar, por exemplo, contra o desemprego, como se o direito ao trabalho não fosse um direito fundamental... Também nunca vi qualquer protesto contra o aumento das taxas moderadoras e de internamento na saúde, outro direito fundamental para mim, mas talvez não para as ONGD's... De igual modo nunca vi qualquer reivindicação contra as propinas ou contra o baixíssimo valor das bolsas de estudo, portanto não devem ter a educação como inserida nos direitos humanos... De resto, saúde, educação e segurança social, pilares fundamentais dos direitos da humanidade, são ignorados na acção das ONGD's, que passivamente os vêm serem privatizados, o que para as organizações até será hipoteticamente positivo, assim talvez também lá possam meter a mão...

Por outro lado, por exemplo a Amnistia Internacional está agora a promover uma importante (para eles, claro...) campanha contra... as armas ligeiras ilegais. Ena, ena! E ainda têm a lata de pedir dinheiro ao povo para isto (nomeadamente à porta da AAC)! Portanto, para esta mais que conhecida ONGD, o grande problema em Portugal é haver armas ligeiras ilegais... O analfabetismo tem pouca importância, os salários miseráveis não interessam para nada, o facto de um quinto dos portugueses viver abaixo do limiar da pobreza não merece a atenção desta ONGD, tal como as dificuldades de muitos no acesso à saúde... Então, alguém me explica para que serve afinal esta distinta organização?

Ao fim e ao cabo, por direitos humanos entendem somente as situações de presos políticos, ou a falta de liberdade de expressão, ou as execuções ou penas capitais... Portanto, nada selectivas!
Mas não só são limitadas na interpretação que fazem do conceito, como o são igualmente nas acusações que fazem...

Porquê? Porque abundam as acusações a países como Cuba, China, Venezuela, Irão ou Síria, porque supostamente prendem jornalistas, prendem pessoas por motivos políticos, atacam a "oposição", e fazem execuções... Hmmm...... Claro que o facto de existirem presos políticos em Espanha (bascos), Reino Unido (árabes e irlandeses), França (corsos), Itália (da Sardenha), Turquia (curdos), Israel (dezenas de milhar de palestinianos e libaneses) e EUA (de todo o mundo, sobretudo árabes e latino-americanos), já não interessa para nada, já não são violações de direitos humanos!

Que seja permitido em vários países europeus, no Médio Oriente e nos EUA prender sem qualquer acusação, tal é um facto indigno da atenção de tão doutas ONGD's. Que em vários países da União Europeia, e outros do leste europeu, sejam proibidos os Partidos Comunistas, não interessa a estas organizações. Que a Juventude Comunista da República Checa tenha sido ilegalizada há somente dois meses, também não lhes importa...

Até criticam a execução de Saddam Hussein, mas o que importa não é a sua execução, mas sim a invasão imperialista do Iraque, Afeganistão e Líbano, mas sobre isto já não se ouviu nada... Porque façam o que fizerem, as ONGD's jamais atentam contra o próprio sistema.

E tal verifica-se precisamente na selectividade antes exposta. A nua e crua verdade que se constata é que, na sua acção, as ONGD's nunca criticam os países centrais do sistema imperialista (ou fazem-no somente em casos extremos, como as prisões de Guantanamo e Abu Ghraib), pelo contrário cerrando fileiras contra os países que, cada um à sua maneira e sem fórmulas mágicas para o sucesso, procuram caminhos alternativos.

O que se constata, de facto, é que a acção das ONGD's se centra quase exclusivamente nos países que procuram construir sistemas alternativos. Países que não têm caminhos certos e iguais, que procuram alternativas cada um a seu modo, que são muito diferentes mas partilham dois aspectos: querem uma outra sociedade e recusam-se a ser (neo)colónias dos países imperiais. Assim, as ONGD's não somente não vão contra o essencial do sistema, como activamente o defendem enquanto atacam quem procura alternativas.

Assim termino este artigo. Que, uma vez mais, não procura ser um tratado exaustivo sobre as ONGD's, a luta de massas e os sistemas sociais, mas pretende ainda assim ser um contributo para quem desejar reflectir sobre estes temas. Sem dúvida, alguém poderá conhecer alguma ONGD à qual a prévia análise pareça não se aplicar: no entanto, tal como na construção de qualquer teoria, não posso deixar de recorrer a abstracções, mas que não alteram o essencial. Penso ter demostrado de forma adequado que é o papel das ONGD's é superficial, que nunca poderá de facto resolver os problemas da sociedade, uma vez que não agem sobre as suas causas; esse papel é exclusivamente assumido pela luta de massas. Além disso, penso ter ficado clara a selectividade das ONGD's, no entendimento que fazem dos direitos humanos, mas igualmente no papel que assumem na defesa do sistema e no ataque às alternativas existentes ou emergentes, ou no geral com quem afronta os centros da sociedade.
 
"É um mundo de chalados, pequena, um mundo de chalados... E neste mundo só as vitimas merecem respeito, e, acima de tudo, sabes?, as pessoas que lutam para o fazer ir abaixo e construir outro: esta é a única verdade. (...) tu própria hás-de ver que o que te digo agora é a verdade pura."
Mora, Victor (1979), Os Plátanos de Barcelona. Lisboa: Editorial Caminho
 
foto: www.firstpulseproject.net/riot_2003/Index.html



Essencialmente, para o que me for apetecendo. Ideias sobre a sociedade, coisas da sociologia, análise de questões políticas... Comentários à actualidade, assuntos pessoais relativizados e quando me apetecer, também dá para chatear alguém.
Sociólogo, 28 anos, residente em Coimbra. Bolseiro de investigação na área do insucesso e abandono escolares no Ensino Superior. Mestrando em "Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismo".
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